Uma das coisas que não existem mais no Colúmbia - e eu fico muito feliz com isso! - é o "Despachódromo" da rua do Latão. Calma, leitor, eu vou explicar: durante as décadas de 70, 80 e até mesmo no comecinho dos anos 90, o cruzamento entre a rua Embaú - bem na entrada do bairro - e a Rua Sussekind de Mendonça, que, pra quem não sabe - e eu garanto que muito morador antigo aqui do bairro não sabe - é o nome oficial da rua do Latão, era um espaço privilegiado para a colocação dos mais diversos despachos que se podiam imaginar.
Todas as madrugadas de sexta-feira, religiosamente (meeesmo), o lugar era tomado por fiéis e mui devotos seguidores dos cultos afro-brasileiros, que arriavam ali uma grande quantidade de ebós devidamente oferecidos a distintos senhores como Zé Pilintra, Tranca-Rua, Exu-Caveira, e suas consortes D. Maria Mulambo, María Padilla (é assim mesmo, com dois ll, porque dizem que ela foi uma condessa espanhola), além de uma Cigana bem conhecida de grande parte do povo brasileiro.
Ao final, ao longo desses anos, devem ter sido oferecidos ali galinhas em quantidade suficiente para fornecer canja para diversos hospitais, cabritos em profusão tal que daria para fazer buchada de bode para toda a feira de São Cristóvão, tanta farofa que dava pra embolsar uma casa inteira com ela, velas (pretas e vermelhas, como manda o figurino) com as quais se podia iluminar o bairro inteiro e, enfim, hectolitros da melhor champanhe, sidra e cerveja.
Até aí, tudo bem. A Constituição Federal garante liberdade de culto e de expressão religiosa, determinando o respeito a toda e qualquer manifestação de fé.
O problema era que, com tanta fartura de alimentos, sempre aos sábados pela manhã aparecia um bando de urubus dispostos a ter um café da manhã mais do que reforçado; e, além dos urubus, um bando de cães sem dono começou a frequentar o lugar. Se isso já era ruim, havia o pior de todos os problemas: expostos ao sol, logo no dia seguinte os despachos começavam a exalar um mau-cheiro terrível. Houve um caso, em que ultrapassaram-se todos os limites: foram despachados numa única sexta-feira 21 galinhas, 3 cabritos e um boi. Como era janeiro, pleno verão de 88, já na 2ª o fedor chegava até a esquina da rua 04, alcançando inclusive a minha casa.
Foi o bastante para que a Della Volpe -transportadora que fica(va) em frente ao despachódromo, reclamasse na Prefeitura e ordenasse a seus seguranças que ameaçassem os macumbeiros de plantão. Teve até um engraçadinho - que não vou dizer quem foi - que pendurou uma faixa em cima da rua, na qual se dizia "O Exu já se mudou pra outra esquina, porra!"
A partir daí, o movimento no despachódromo foi diminuindo, fato que deixou ao menos um morador do bairro bastante chateado: o Padre Eugênio, que costumava levar os alguidares para a casa paroquial, e neles cultivar suas rosas e hortaliças, mas isso já é outra história...
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