sexta-feira, 16 de outubro de 2009

Um dia triste: 04 de janeiro de 1992


Noutro dia, encontrei um amigo que comentou estar gostando bastante das “histórias engraçadas” que eu estava postando aqui. Meus caros, o blog trata da história – e das histórias – do Colúmbia, e, na verdade, a maioria delas não é engraçada. Acontece que, não sei bem o porquê, até agora eu vim selecionando histórias com um fundo de humor para postar.
Contudo, vou tratar aqui de um tema terrível que afeta boa parte da população do bairro: as enchentes. Como foram muitas ao longo desses anos, vou falar de uma das piores que já vi: a de 04 de janeiro de 1992.
1992 foi um ano que parecia promissor: apesar do Collor ser o presidente, o Ano Novo se passara numa boa, sem maiores sobressaltos, sem aquela violência que, enfim, vinha aumentando nos últimos anos. Ademais, lembro-me bem, na noite de Ano Novo teve uma lua cheia linda, céu estrelado e bastante alegria. Ninguém imaginaria o que estava por vir.
Era sábado, o primeiro fim de semana do ano, de certo modo uma continuação da festa. E foi nesse sábado de muito sol, quente, com praia superlotada que eu, voltando do trabalho, cheguei a casa por volta da 17:30 – nessa época eu morava na Rua Irmã Luiza Matos – e percebi um vento frio, desses que indicam que o tempo virar. Até pensei: “Ai meu saco! Amanhã pleno domingo, eu em casa, e o tempo vira... sacanagem...”.
Bastou escurecer, aí pelas 19:30 (horário de verão, né?) e eu tive a infeliz ideia de ir à rua comprar um refrigerante pro lanche da noite. Foi quando atravessava a Ildefonso Falcão que eu ouvi o primeiro trovão: não era um daqueles trovões que se escutam longe, com um som que lembra uma descarga elétrica; não senhor, esse era um som forte, encorpado, como se alguém tocasse uma nota grave em um contrabaixo, aqueles trovões que não anunciam a tempestade, mas que significam que ela já arrombou a porteira do céu e alguns pedaços do céu começaram a desabar na sua cabeça, tamanha era a grossura dos pingos da tempestade que iniciava.
Entrei no primeiro bar que encontrei ali na “beira do rio”: o do Carlinhos, o mesmo Carlinhos que hoje em dia é dono da antiga padaria do Américo, e me refugiei ali na vã esperança de que fosse apenas um alarme falso. Mas em três minutos minhas esperanças naufragaram, pois a água do rio já invadia a rua Ildefonso Falcão e eu tive de voltar pra casa com aquela “água limpa e perfumada” do Rio Acari banhando minhas pernas.
Meus amigos, a chuva caiu até 01:00, numa intensidade como poucas vezes eu vi na vida, inundando não só toda a beira do rio, com a água cobrindo as traves do gol, na Praça Armando Steele, cujos moradores ficaram todos em suas respectivas lajes ou refugiados nas casas dos vizinhos. Mas, além disso, a água acabou chegando até áreas jamais alcançadas antes – e nem depois: a esquina da Edmundo Júnior com a Desembargador Narcélio de Queiroz, a rua Embaú, na altura da Francisco de Menezes e do viaduto do Parque Gênus já são um bom exemplo, só para que se tenha uma pálida ideia do que foi aquela enchente.
Mas a lista de tragédias não para por aqui. A própria Rodovia Presidente Dutra foi inundada pelo rio, com enormes prejuízos para as fábricas e empresas vizinhas: todo o estoque do depósito da Ponto Frio – na outra margem do rio – foi perdido. A gráfica Micron – que dava emprego a muitos moradores do bairro – teve todo seu maquinário danificado pelos metros cúbicos de lama que a invadiram, além de perder todo o papel estocado; a gráfica jamais se recuperaria das perdas, fechando cerca de um ano depois.
Minha casa foi subitamente transformada em abrigo, com diversos vizinhos passando pelos telhados até alcançarem a varanda. Como minha casa ficava no segundo andar, graças a Deus não perdi nada; e como era alugada, meu senhorio foi o primeiro a se refugiar , mas nem assim o sacana me deu um desconto no aluguel do mês seguinte.
O dia seguinte, 05.01.92, amanheceu preguiçoso, como que se curando da ressaca que foi o temporal que nos assolou a noite toda; apenas então pudemos ver a extensão da tragédia: da minha janela eu podia o verdadeiro mar que, pela outra margem do rio, unira o Parque Colúmbia a Jardim América e a Acari, como se os três bairros agora compartilhassem um lago central. Contudo, logo o calor do verão se fez presente, e o odor perfumado das águas do Rio Acari chegaram até nossas narinas.
Estavam todos exaustos mas acho que fui o primeiro a dar a ordem: “ninguém, mas ninguém, seja hóspede-refugiado ou morador da minha casa, vai tomar banho hoje!” “Como é que é?” disse a minha mãe, ao que respondi: “-Será que temos água potável ou já está contaminada pela água do rio? Além disso, quando é que essa água vai baixar, pra gente poder sair de casa?”
A água só começou a dar sinais de retrocesso por volta das 10:30 da manhã, mas só às 14:00 conseguimos botar o pé naquele lamaçal que as ruas todas tinham virado, quando minha mãe pisou o chão – os cigarros dela haviam acabado, e aí não existe desculpa para ficar em casa–, afundou literalmente até o meio da coxa na lama, mas, como o cigarro é a coisa mais importante na vida de quem fuma, lá foi ela procurando onde comprar seu inseparável amigo, o mesmo que lhe raria, como presente, cinco cirurgias para retirada de tumores cancerígenos. Ao voltar para casa, fui categórico: “-Só pisa aqui dentro depois de lavar essas pernas com álcool!” (Ela sempre fazia isso comigo quando era criança... ah! A vingança é tão doce!, hehehe)
Às 18:00 de domingo veio a notícia: a enchente fizera uma vítima: encontraram, no quarto, o cadáver do Geraldo “do Porco”. Parece que havia passado a tarde tomando umas e outras, e outras, e outras, como era seu costume, chegara em casa e dormiu para curar o porre. No verdadeiro coma alcoólico em que se encontrava, Geraldo não percebeu a enchente, morrendo afogado em sua própria cama.
Outras consequências ainda viriam: três casas na beira do rio foram condenadas e derrubadas pela defesa civil, e seus moradores ficaram morando uns dias na Escola Municipal Andréa Fontes Peixoto. Muitos dos comerciantes locais, assim como os moradores, perderiam tudo; espalhando pelas ruas os móveis destruídos pela água. Levaria pelo menos dois meses para que a lama das ruas secasse e fosse recolhida pela Comlurb, nesse ínterim, muita gente pegou dengue, além de coisas piores.
Essa foi a pior das enchentes vividas pelo Parque Colúmbia, superou a de 1968 e deixou a maioria dos moradores numa condição péssima tanto no quesito econômico quanto no amor-próprio, iniciando um ciclo tenebroso de nossa história: os anos 90, sobre que falarei em outro post.

4 comentários:

  1. Não imaginava que as enchentes no Colúmbia fossem tão terríveis e há tanto tempo, mesmo assim nunca fizeram nada para melhorar isso?

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  2. Olá, "fessor"...
    Eu estava proucurando um blog mais ou menos desse tipo, com histórias bem feitas e bastante descritivas...

    Alguém disse que histórias são boas dependendo de quem as conta...

    mestres são mestres...

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  3. Uau!!! Agora pensarei três vezes ou mais antes de passar por aí em dias de chuva!!!

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  4. Nisso minha favela presta, não enche. Falta luz com qualquer chuvinha, mas não enche!

    E é assim mesmo, nego adora rir das desgraças... No meu blog antigo eu contava meus traumas de viver aqui e o povo se divertia. Aí parei um pouco, soubrou só alguns posts nesse blog de agora falando sobre ir ao supermercado guerrear ou andar nesses ônibus e kombis da vida...
    Affe, na próxima vida só venho se eu for rica! LOL

    *Aqui é quase um jornal informativo de bairro, sabe? Funda um! ;)


    beijo!

    Raquel

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